sexta-feira, 8 de agosto de 2014

“O ‘virtual’ é real”. Cultura digital e evangelização

Entrevista especial com Moisés Sbardelotto, pelo IHU

“As redes sociais digitais, como ambientes de construção da vida social, podem ser também ambientes de testemunho cristão a partir da nossa própria presença, que deve expressar ‘o que somos e aquilo em que acreditamos’”, afirma o pesquisador.


A cultura do encontro e o testemunho. Essas são as bases que devem nortear a comunicação na Igreja, que tem não somente a intenção de comunicar, mas a prioridade de evangelizar. Num contexto desafiante de transcender o “marketing religioso”, ainda mais excessivo na era digital, é preciso “passar de uma comunicação meramente informativa para uma comunicação performativa, que não apenas transmita dados e informações, mas que promova o Encontro maiúsculo, a experiência de uma Mensagem maiúscula, que vai muito além do mero conteúdo transmitido”, assinala Moisés Sbardelotto, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, à IHU On-Line.

Membro da Comissão Especial para o Diretório de Comunicação para a Igreja no Brasil, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, Moisés Sbardelotto participou do 4º Encontro Nacional da Pastoral da Comunicação e do 2º Seminário Nacional de Jovens Comunicadores, realizados em Aparecida, São Paulo, no mês passado.

Segundo ele, os eventos tiveram o “desafio de entender a autêntica evangelização, em primeiro lugar, como testemunho”. Nessa perspectiva, enfatiza, “a ‘cultura do encontro’ é uma ideia-chave do papado de Francisco”, e antes de ser definida conceitualmente, ela “pode ser vista em construção nos próprios gestos do papa, no seu reconhecimento do outro, na sua abertura ao diferente. Foi assim no seu primeiro gesto, a inclinação diante de um grande ‘outro’, o povo de Deus reunido na Praça de São Pedro. Mas também nos seus inúmeros encontros, como com os jovens presos no Lava-Pés, com os imigrantes de Lampedusa, com os doentes, na expressão máxima do abraço em Vinicio Riva, o homem que sofre de neurofibromatose, com os líderes religiosos de outras confissões, como no recente encontro com o pastor Giovanni Traettino, o primeiro encontro de um pontífice com um expoente do pentecostalismo”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Sbardelotto chama a atenção para a confusão entre o que significa evangelizar e fazer proselitismo com a mensagem cristã. Sobre essa questão, a crítica do pesquisador é pontual: “Acaba-se confundindo a ação evangelizadora com práticas de um ‘mercado de bens religiosos’, marcado pela ‘concorrência religiosa’, pelas ‘ações de marketing religioso’, pela ‘fidelização’ de novos ‘adeptos’, pela busca de ‘visibilidade positiva’ e de ‘aumento de popularidade’ da Igreja e das suas lideranças. Como álibi, até se costuma dizer que o próprio Jesus foi ‘o maior marqueteiro da história’, e a cruz — de ‘escândalo para os judeus e loucura para os pagãos’ (1Cor 1, 23) — se converte no ‘maior logotipo que conhecemos na história’... Como diz o Papa Francisco, mesmo com ‘aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja’, busca-se, no fundo, ‘a glória humana e o bem-estar pessoal’ (Evangelii gaudium, n. 93)”.

Autor de E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet (Editora Santuário, 2012), Moisés Sbardelotto pesquisa a interface mídia e religião no ambiente digital, a qual tem em sua centralidade o conceito de ciberteologia. Para ele, o conceito tem, como “maior desafio”, “explicitar com clareza reflexiva qual a diferença que o prefixo ‘ciber’ traz à teologia”, porque “do ponto de vista teológico, um primeiro risco é o de pensar Deus e a experiência cristã no tempo da rede a partir do ‘impacto’ e da ‘influência’ dos aparatos tecnológicos e das tecnologias digitais, entendidos como dominação do digital sobre o religioso e o teológico. (...) O desafio da teologia é pensar Deus em meio às mediações humanas, como a cultura digital, em suas luzes e sombras. Como pensar tal interface sem cair em uma mera ‘ciberidolatria’ patrocinada pela Apple, Google e afins?” Para ele, a relação entre teologia e comunicação, ou a comunicação realizada na Igreja, devem ser permeadas por um “problema de fundo”: “Como ‘pensar e viver Deus’ na cultura digital na sua densidade fenomênica, para além do mero âmbito maquinal de telas, teclas, bits e chips”.

Moisés Sbardelotto é jornalista graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.

Sbardelotto publicou nos Cadernos Teologia Pública, nº. 70, Deus digital, religiosidade online, fiel conectado: Estudos sobre religião e internet, e nos Cadernos IHU, nº. 35, "E o Verbo se fez bit". Uma análise da experiência religiosa na internet.

Confira a entrevista aqui.

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