No relato apresentado a seguir, destacamos a fala da Profa. Dra. Magali do Nascimento Cunha, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e sua apresentação do campo na América Latina e especificamente no Brasil. A escolha deve-se ao fato de que o trabalho apresentado mapeia pontos importantes do campo na realidade nacional e sul-americana, em uma sistematização relevante tanto para o diálogo aberto, no evento, com pesquisadores de outras partes do mundo quanto para a reflexão necessária dos desafios presentes em nosso cotidiano.
Estado do campo
A primeira questão colocada no painel era sobre “o estado atual do campo” e, a partir da realidade latino-americana, a resposta de Magali enfatizou a herança positivista presente especialmente na academia brasileira e outros países do continente, que minimiza a pesquisa em religião, especialmente se fora da sociologia e da antropologia. Apesar das dificuldades, o número de trabalhos em mídia e religião emergiram nas últimas décadas. As reflexões são especialmente sobre produção religiosa de mídia eletrônica, sendo que nos últimos anos apareceram abordagens de estudos de recepção e representações da religião em produções não religiosas. E, ainda mais recentemente, é possível encontrar estudos sobre a presença da religião na internet.
Ainda em busca de mapear o campo, Magali apontou duas lacunas que também são desafios para os estudos na área. A primeira é a falta de trabalhos que enfoquem religiosidades fora da matriz cristã, especialmente o espiritismo e as vertentes afro-brasileiras. Segundo ela, são “dois grupos intensamente presentes em diversos processos comunicacionais, mediáticos ou não, e que têm sido esquecidos pelos estudos de mídia, religião e cultura”. A segunda lacuna está relacionada ao que a professora chamou de “midiacentrismo na maioria dos estudos disponíveis”. Assim, falta no campo o reconhecimento das mediações culturais de processos comunicacionais, o que pode abrir novas e variadas possibilidades de estudos, como os discursos para além da mídia eletrônica, que perpassam música, atitudes, arquitetura, mídia alternativa e popular, representações simbólicas – sejam visuais ou rituais. Ainda outra questão desafiadora abordada é a internacionalização da pesquisa latino-americana. Em âmbito internacional a língua principal é o inglês, o que dificulta os intercâmbios com as produções em português e espanhol. “Há necessidade de melhorar a troca entre sul e norte. Por exemplo, o primeiro artigo de Stewart Hoover em português foi publicado este ano pela revista Comunicação & Sociedade, da Universidade Metodista de São Paulo (“Mídia e religião: premissas e implicações para os campos acadêmico e midiático” acesse aqui). Precisamos encontrar caminhos de superar esse desafio e não nos acomodarmos à língua”, afirmou Magali (no centro da foto do painel).
A primeira questão colocada no painel era sobre “o estado atual do campo” e, a partir da realidade latino-americana, a resposta de Magali enfatizou a herança positivista presente especialmente na academia brasileira e outros países do continente, que minimiza a pesquisa em religião, especialmente se fora da sociologia e da antropologia. Apesar das dificuldades, o número de trabalhos em mídia e religião emergiram nas últimas décadas. As reflexões são especialmente sobre produção religiosa de mídia eletrônica, sendo que nos últimos anos apareceram abordagens de estudos de recepção e representações da religião em produções não religiosas. E, ainda mais recentemente, é possível encontrar estudos sobre a presença da religião na internet.
Ainda em busca de mapear o campo, Magali apontou duas lacunas que também são desafios para os estudos na área. A primeira é a falta de trabalhos que enfoquem religiosidades fora da matriz cristã, especialmente o espiritismo e as vertentes afro-brasileiras. Segundo ela, são “dois grupos intensamente presentes em diversos processos comunicacionais, mediáticos ou não, e que têm sido esquecidos pelos estudos de mídia, religião e cultura”. A segunda lacuna está relacionada ao que a professora chamou de “midiacentrismo na maioria dos estudos disponíveis”. Assim, falta no campo o reconhecimento das mediações culturais de processos comunicacionais, o que pode abrir novas e variadas possibilidades de estudos, como os discursos para além da mídia eletrônica, que perpassam música, atitudes, arquitetura, mídia alternativa e popular, representações simbólicas – sejam visuais ou rituais. Ainda outra questão desafiadora abordada é a internacionalização da pesquisa latino-americana. Em âmbito internacional a língua principal é o inglês, o que dificulta os intercâmbios com as produções em português e espanhol. “Há necessidade de melhorar a troca entre sul e norte. Por exemplo, o primeiro artigo de Stewart Hoover em português foi publicado este ano pela revista Comunicação & Sociedade, da Universidade Metodista de São Paulo (“Mídia e religião: premissas e implicações para os campos acadêmico e midiático” acesse aqui). Precisamos encontrar caminhos de superar esse desafio e não nos acomodarmos à língua”, afirmou Magali (no centro da foto do painel).
Questões relevantes
A segunda questão enfrentada no painel solicitava a identificação das “questões preeminentes para lidar no momento”. Nesse quesito, dois principais aspectos foram destacados, ambos relacionados às relações entre religião e esfera pública. O primeiro é o crescimento do pentecostalismo e decrescimento do catolicismo no Brasil, que gera mudanças visíveis nas disputas de poder, nas representações midiáticas, especialmente de pentecostais na política. A candidatura a presidente de um pastor da Assembleia de Deus exemplifica a complexidade do fenômeno, que precisa ser enfrentado em sua complexidade, como uma dinâmica sócio-cultural própria. O segundo aspecto é a emergência de discursos evangélicos conservadores, que chegam à esfera pública em questões como os direitos de mulheres e homossexuais, em conclamações para o trabalho de “salvar a família” e outras justificativas feitas à base de frases de efeito.
Sugestões práticas e provocações
Por fim, a terceira questão solicitava aos painelistas que apresentassem ideias e provocações sobre formas de lidar com as questões levantadas. A pesquisadora Magali, responsável por levar a perspectiva de sua região, colocou dessa ver três possibilidades de ação. Uma delas seria política, que passa pela articulação das pessoas envolvidas no campo, para fortalecer os espaços de trabalho e conseguir financiamento para pesquisas. O MIRE – grupo de pesquisa em Mídia e Religião, recém criado e registrado no CNPq -, é fruto desse tipo de demanda. A segunda, na área da reflexão e estudo, é a necessidade de romper com a compreensão de que a religião tem um impacto sobre a cultura ou a cultura sobre a mídia e a religião. Ao invés de pensar em termos de impacto, compreender erupções, explosões, fenômenos que emergem na dinâmica social e se alimentam da interação entre mídia, religião e cultura. Finalmente, Magali destacou a necessidade, especialmente no Brasil, de que os pesquisadores superem as abordagens moralista ou dualista dos fenômenos que envolvem mídia e religião, pensando em termos de manipulação dos símbolos sagrados e da boa vontade das pessoas. Esse tipo de postura, em pesquisadores “colocam-se na posição de guardiões da boa religião ou da boa mídia”, impede a compreensão de dinâmicas sociais complexas.
Outras perspectivas
O norte-americano David Morgan enfatizou a necessidade de revisar o que a área já construiu, em busca de perceber o que foi perdido e direcionar, assim, novos engajamentos. Ele ainda assinalou a necessidade de pensar uma nova teorização da religião, a partir das mudanças em vigor na atualidade. O pesquisador apontou para as noções de mediatização e mediação como possibilidades teóricas de compreensão, que podem trazer avanços para o campo e, em termos práticos, apontou para a necessidade de “incluir outros na conversação, talvez através de fundos para traduzir trabalhos de outras partes do mundo, compartilhar fontes e bibliografia”. Afinal, durante essa conferência, a maioria dos participantes era oriunda da Europa ou dos Estados Unidos, com uma forte influência das questões levantadas em países anglo-saxões. Embora houvesse participantes da África, Ásia e Oceania, a presença de latinos restringiu-se a três palestrantes, que mostraram uma realidade bastante diversa daquela enfatizada na maior parte dos painéis.
Destaca-se ainda a participação da finlandesa Johanna Sumiala, que levou ao plenário a perspectiva dos estudos de mídia e destacou que os temas referentes à religião ainda são marginais. “Há um abismo entre estudos de religião e estudos de mídia, sendo que pesquisadores do campo da religião estão mais interessados na mídia do que o contrário”, afirmou. Para ela, um dos temas desafiadores são as relações global-local, as perspectivas transnacionais e como esses aspectos afetam as interações entre mídia e religião.
Pesquisadores desafiados à “sensibilidade historicista”
“Eu quero nos desafiar a um grande senso de historicismo em nosso trabalho”, afirmou em sua palestra o então presidente da Sociedade Internacional para Mídia, Religião e Cultura, Stewart Hoover (foto). Considerado um dos fundadores do campo de intersecção entre mídia e religião, Hoover apontou como as pesquisas na área moveram-se de uma visão instrumentalista de mídia e religião, focada nos efeitos de um sobre o outro para “mais sofisticadas compreensões”, como a prática e a materialidade e o que é produzido através de mediações do religioso. Assim, uma possível definição para o objeto de estudo do campo seria a mediação cultura da religião e a proposta de abordagem, histórica.
Para Hoover, o historicismo pode trazer ao menos três benefícios para o campo. O primeiro é ajudar a corrigir o ‘presentismo’ existente na área. Essa percepção é válida para os trabalhos desenvolvidos no Brasil. Uma breve pesquisa em bancos de teses e dissertações revela a ausência de abordagens e temáticas históricas nas pesquisas de mídia e religião, o que também pode ser averiguado em textos de revisão de campo, também na área de mídia e história[1].
O segundo benefício seria o enriquecimento das narrativas dos trabalhos, no sentido de que a abordagem historicista contribui com a desconstrução e crítica das narrativas recebidas de antemão e que aspiram definir a extensão e os limites do campo. Sobre este ponto, ele enfatizou o quanto “nós estamos sujeitos a uma grande, difusa e ampla narrativa da religião que é um legado do Iluminismo no Ocidente Norte Atlântico”. O problema dessas narrativas, que tocam temas como modernidade, tradição e outros, é a presença subterrânea da ideia que existe algo puramente “religioso” que é ‘ameaçado’ pela modernidade – o que pode ser bom ou ruim, dependendo da perspectiva adotada.
A aproximação historicista dos objetos de mídia e religião teria, então, a intenção de desconstruir essas narrativas e revelar compreensões de foçar históricas, culturais e sociais mais profundas. Nesse sentido, um caminho proposto é o de pensar resistências e interações entre os modelos considerados influentes – como a mídia norte-americana – e as regiões normalmente identificadas como ‘influenciadas’. No entanto, a ênfase seria as transformações e apropriações ocorridas no trânsito. Nesse ponto, ele citou o trabalho de Leonildo Campos, professor da Universidade Metodista de São Paulo, sobre o quadro “Os dois Caminhos” e sua ampla difusão entre protestantes no Brasil, especialmente na primeira metade do século XX [2]. “Nossas lentes historicistas poderiam perguntar como esta imagem, nem tão conhecida ou particularmente proeminente em seus países de origem, chegou a alcançar tal destaque em sua recepção em outro país”, questionou Hoover.
Finalmente, o terceiro benefício seria o alargamento da gama de fenômenos que podem ser contemplados quando procura-se compreender e construir conhecimento sobre a mediação do religioso. Nesse ponto, o pesquisador destacou a necessidade de pensar e estabelecer a religião como um “fenômeno cultural e social único” através da materialidade e da historicidade em detrimento das abordagens confessionais ou teológicas. A questão seria ainda romper com a noção purista de ‘religião’, que pouco contribui com a compreensão especialmente das questões contemporâneas.
A apresentação de Stewart Hoover está disponível integralmente, em inglês, no site do Center for Media, Religion and Culture: http://cmrc.colorado.edu/
Priscila Vieira é Doutora em Comunicação e Cultura pela ECO (UFRJ) e Alexandra Gonsalez é Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Ambas integram o MIRE - Grupo de Pesquisa Mídia, Religião e Cultura. Fotos: Adam T. Shreve.